Foto: Maria Doval Ballet |
A poesia de Silvia Palaia
Silêncios
transbordada de silêncios estico as lembranças e escondo a tristeza embaixo do meu travesseiro bebo o elixir da esperança apanho meu sorriso na gaveta e guardo na bolsa amanheço. seis horas e quatro minutos.
*
Jura de Amor Eterno
prometo me manter descabelada de alegria prometo fingir que você não é a companhia que eu mais gosto prometo fingir que você não me faz falta. prometo não lhe contar que penso em você, antes de dormir prometo não lhe contar que penso em você, antes de acordar prometo enamorar-te enquanto enrolar seus dedos em meus cachos. prometo enamorar-te enquanto coubermos, sem transbordar.
*
O tempo
manter no tempo os sussurros parar o minuto da alegria compartilhada olhar para o ponteiro, do velho relógio da parede, e ser cúmplice do tic-tac silencioso, da madrugada ardente, dos beijos trocados em segredo da noite esquecida. do copo de leite. do pano cobrindo o fogão. do amor desembrulhando. da vida da gente.
*
La Llorona
vem, a porta está aberta vem, a mesa está arrumada: dois pratos. vem, deixei a melhor cadeira pra você. vem, fiz sua comida predileta (sem cebola) vem, o vinho é tinto, encorpado na temperatura que você gosta vem, chavela canta la llorona a voz é grave e melancólica (compramos o cd no méxico, lembra?) a casa azul: quase casamos por lá eram tantas cores... vem, o aroma está ótimo você sentirá do portão: cravo e toque de manjericão vem, o número é o mesmo a senha: abraço assim que o portão abrir já sabes o que fazer em frente: são dezenove passos vem, meu amor, depois a comida esfria a cantora cansa o vinho estraga vem, meu amor a vida não espera.
*
Maio
era noite
num maio qualquer
depois em julho
me alimentou de ternura
acariciou meus talentos
embebedou meus temores
e foi
disse que não cabia nos meus abraços
em julho
me envolveu com seu casaco
de veludo
matou meu frio
e foi
disse que seu tempo era curto
pros meus beijos longos.
meu corpo bastardo
apertado na cama,
do quarto dos fundos,
que me reservara
e minha alma sufocada
pela falta de luz
no corredor de teus olhos.
abri a janela
em setembro
e deixei a primavera entrar
desde então
não cabes no meu quarto
da frente,
nem em minha cama macia
onde deita um coração
encantado
que tem costurado seu sonho
ao meu.
*
Epílogo
I
hoje me olhas
com ar de desprezo
esquece do amor,
esconde o desejo
II
no meio da noite
na mesa de canto
o nosso lugar
te olho de lado
me chama pra perto
me faz suspirar
III
parado no poste
me olhava partir
gritou o meu nome
voltei apressada
é noite, morena
me leva pra casa.
IV
e nas noites sombrias
te espero calada
no sonho te vejo
te toco e te beijo
desperto assustada
e na cama vazia
quem tanto eu queria
não está ao meu lado.
Sílvia Palaia é meu nome. Tenho 54 anos de
intensidade e rebeldia. Sou socióloga e historiadora – com especialização em
Historiografia e Cultura. Minha vida quase todo tempo foi pra explicar. Minha
fala é minha ferramenta de luta e de amor. Escrevo porque é o que faz sentido
na minha vida. É minha outra fala. A da alma em estado bruto. Também sou mãe do Pedro e do André e
mulher do Heitor – companheiro da maturidade, da arte e da vida.
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