terça-feira, 17 de julho de 2018

Cinco poemas de Angela Zanirato



A poesia de Angela Zanirato



Medusa

os cabelos de Medusa
crescem até hoje
em silêncio
cobra coral
cobra d'água
cobra da morte
víbora
naja
em seus olhos ofídicos
um mar vermelho de corais
chispas de fogo
ferida antiga
pedra

Medusa me fez trocar de pele
tirou meus trajes
vesti couraça
modificou meu olhar
para a luta

os cabelos de Medusa:
-rios de liberdade
onde se aprende a rasgar mordaças
e nunca mais parir algemas.
Transversalidade

há quem se preocupe em dar pontos
no descosturado
-eu não!
preciso dos esgarços
dos restos de linhas
do mal acabado

- o que sou eu neste instante
senão um princípio do verbo?

tudo que se quer perfeito
tem um fim

bem dito os desajustados
estão sempre começando
bem dito os verbos irregulares
e suas rebeldes radicais
bem dita a corola do algodão
que cismou ser flor

bem dita mão calejada
que tece fios da memória
em novelos cujos dramas
pesam mais que seus gramas

bem dita essa transversalidade
que me atravessa
tira meu eixo
e meu ângulo.

*

Galhos

me dizem:
- forte!
mal sabem que não carrego minhas malas
recheadas de desespero e desistências
mal olham para meus braços / galhos podados
olham para meus olhos rajados
para minhas unhas de garras
para meu lombo cicatrizado

me dizem:
- forte!
mal escutam meu coração descompensado
aquele grito calado
aquele sono agitado
escutam meu discurso/ censurado
minha ideologia desfraldada
minhas palavras declamadas

me dizem:
- forte!
minha luta interna
nunca foi fotografada
nunca pichei meus medos
nos muros das minhas entradas
nunca desenhei minhas fugas
nas barras das minhas saias
nunca pintei meus dilemas na cara
em maquiagens sofisticadas

me dizem:
- forte!
me digo humana!

*

Seco

não é qualquer tábua
que me salva
não me prego em qualquer cruz
choro a seco
tudo que costura feridas
dispenso
não esterilizo nem o pensar
todo corte será história
toda lágrima engolida será memória
toda dor será fotografia
não maquio cicatrizes
a vida exige crueza
luvas cirúrgicas?
são só vaidades...

*

Rosa da resistência

planto uma rosa vermelha
que resista à maçã da bruxa
deixada na calçada
planto uma rosa vermelha
que resista à clorofila dos cabelos platinados
que floresça no cano das botas
estoure a boca do fuzil
planto uma rosa vermelha
que vá para a luta
armada de seiva
que não esqueça seus motivos
assim como a roda viva não esquece sua engenharia
planto uma rosa vermelha
e que o jardineiro jamais seja acusado
de decepar as próprias mãos na poda
rosa vermelha
que enfeite celas
peito de prostitutas
bancos de sangue
de sêmen
acampamentos
e feiras da lua
planto uma rosa vermelha
e não me preocupo com o ângulo
da fotografia
só com sua rota
de colisão com os fascistas
planto uma rosa vermelha à prova de balas
de tropas de elite
de canhões
uma rosa chumbo liberta
onde as mãos que a busquem
pela ânsia do encontro
nunca estejam satisfeitas.

*

Elegia a pedra

poesia, poesia
conta qual a primeira vez
que a palavra pedra te rondou?
foi a pedra pensante de Wallace Stevens?
ou a pedra viúva de Mallarmé?
a pedra queimada de Aleksandr Blok?
a pedra poética de Ósip Mandelstam?
a pedra –ferro de Hilda Hilst?

poesia, poesia
tuas pedras doem a cada verso
meu coração calcificado
asas amputadas
lírios desossados
este olhar pétreo
constrói muros
dorsos dobrados
pedra sabão

poesia, poesia
tuas pedras
mostram o caminho
dos voos
dos vasos
dos vales
dos ecos
dos gritos das mulheres apedrejada

poesia, poesia
mostre a ultima pedra do poema :
-ensina a caminhar em pedras brutas.








Angela Maria Zanirato Salomão é professora de História, Pós-Graduada pela UNESP de Assis e pela UEM, Maringá. Participou do Mapa Cultural Paulista versão 2015/ 2016, onde foi classificada para a fase final na modalidade conto. Participa da Associação de Escritores e Poetas de Paraguaçu Paulista- APEP. Tem poemas publicados em três Antologias: “Um olhar Sobre” coletânea da APEP em 2014, “Filhas de Maria e Valentim”, 2015 e “Um Olhar Sobre”, coletânea da APEP 2017.  Possui poemas publicados  nos sites Blocos Online , Parol , Movimiento Poetas del Mundo, Antologia do Mapa Cultural Paulista edição 2015/2016, versão e-book, Revista de Ouro, Revista Ver-O-Poema e InComunidade.










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